Levantamento recente divulgado pelo IBGE aponta que uma em cada três crianças no país está acima do peso, enquanto pesquisas do Ministério da Saúde indicam que quase 13% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos já são consideradas obesas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a estimativa é que em 2025 o número de crianças obesas no planeta chegue a 75 milhões. Sem dúvida os números são alarmantes e têm preocupado pais, educadores, médicos e psicólogos – que entendem a gravidade da situação e suas perigosas consequências para a saúde física e mental dessas crianças.
A endocrinologista Mariana Siqueira, integrante da equipe do Instituto Baiano de Obesidade, alerta para as principais causas deste fenômeno global. “A obesidade infantil, assim como em adultos, é multifatorial. Diversos aspectos interferem como genética, hereditariedade, hábitos familiares de alimentação e prática de atividade física. Mas os fatores que mais fizeram aumentar a obesidade infantil desta forma foram a facilidade de acesso a alimentos ultra processados com excesso de açúcar, como refrigerantes e biscoitos recheados; o excesso de exposição a telas, como celular e televisão; e a diminuição das brincadeiras infantis ativas”.
Para evitar o sedentarismo e outros maus hábitos, a Academia Americana de Pediatria estabeleceu um limite claro: duas horas por dia diante das telas, no máximo e apenas para crianças acima dos 2 anos de idade, nunca antes.
Riscos à saúde
A ocorrência da obesidade em crianças traz diversos problemas, conforme explica Dra Mariana. “Muitas doenças surgem associadas à obesidade, como o aumento significativo de diabetes tipo 2, hipertensão arterial sistêmica e maior risco de doenças ortopédicas.” Vale ressaltar que não apenas a saúde física das crianças é afetada.
Segundo a psicóloga Suyan Lima, membro da equipe do IBO, “a obesidade pode deixar a criança mais inibida, retraída e isolada ou ainda ter efeito reativo sobre ela, deixando-a agressiva e brigona. É importante saber identificar estes comportamentos, pois são sinais de que algo não está funcionando bem”. Além disso, estudos apontam que crianças obesas possuem mais probabilidade de apresentarem doenças psiquiátricas como depressão e ansiedade, bem como dificuldades de interação social.
Criança obesa, adulto obeso
Quais as chances de uma criança obesa tornar-se um adulto obeso? Dados do Ministério da Saúde alertam que essas crianças possuem risco elevado da obesidade permanecer na idade adulta. “A expectativa é de 30% de chance se um dos pais for obeso e 70% se ambos forem”, alerta Dra Mariana.
Este tipo de obesidade, considerado de longa duração, é mais prejudicial ainda. Estudo publicado no International Journal of Epidemiology sugere que a criança que engordou nos primeiros anos da infância e continuou pela vida adulta tem o dobro de dificuldade de realizar tarefas simples do cotidiano, como carregar sacolas de compras, subir dois lances de escadas ou levar uma criança pequena no colo, além do maior aparecimento de doenças crônicas.
Este cenário é bastante preocupante, pois se hoje temos um aumento considerável no número de crianças obesas e a expectativa de vida tende a aumentar, como será a qualidade de vida dessas pessoas quando realmente forem idosas?
Tratamentos
Para tratar a doença, buscando reverter a situação e melhorar a qualidade de vida dessas crianças, diversas opções estão disponíveis. “O primeiro passo é entender que cada criança é um indivíduo complexo e único. A obesidade pode ser entendida como um sintoma, cuja origem não possui uma variável somente. Assim, a abordagem do tratamento infantil deve envolver aspectos externos e internos, investigando o estilo de vida, hábitos, predisposição genética e, claro, aspectos emocionais. É muito importante também destacarmos o papel do especialista clínico, que é o profissional que consegue enxergar todo o contexto e ver se existem questões além das físicas que precisam ser tratadas”, explica Dra Suyan.
O comprometimento da família é fundamental para o sucesso deste processo. De acordo com Dra Mariana “’é preciso melhorar os hábitos alimentares da família toda, com acompanhamento nutricional para reeducação alimentar e estímulo à prática de atividades físicas de forma regular”.
Especialistas afirmam que a prevenção da obesidade infantil começa ainda no aleitamento materno, que possui um papel protetor sobre o acúmulo da gordura em crianças. Após iniciar a alimentação complementar, a família é responsável pela formação dos hábitos dessa criança, devendo introduzir alimentos saudáveis, menos industrializados e com menor teor de sódio, gordura e açúcar, por exemplo. E não tem problema se a criança não gostar de primeira. O Manual de Pediatria explica que podem ser necessárias até 15 exposições para que a criança aceite determinado alimento.
Para entrar nesta jornada de tratamento é muito importante que os pais estejam próximos à criança, observando mudanças na rotina de comportamento. “Os pais também precisam ter o cuidado de não utilizar a comida como estratégia de conforto ou recompensa, evitando replicar hábitos que façam com que a criança não encare seus problemas ou frustrações de modo saudável. Nosso trabalho ajuda a orientar e acolher esta família, estabelecendo rotinas e limites. Vale lembrar que o limite é libertador, tanto para a criança quanto para os pais”, finaliza Dra Suyan.